quarta-feira, 9 de junho de 2010

Juiz da 3ª vara cível indefere liminar de Rogério Ulysses

Leia abaixo a decisão na íntegra.

Circunscrição : 1 - BRASILIA
Processo : 2010.01.1.066019-8
Vara : 203 - TERCEIRA VARA CIVEL
Processo : 2010.01.1.066019-8
Ação : ANULATÓRIA
Autor : ROGÉRIO ULYSSES TELLES DE MELLO
Réu : PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO - PSB

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

Vistos, etc.

Acolho a emenda de fls.335 e seguintes.

ROGÉRIO ULYSSES TELLES DE MELO propôs a presente ação anulatória com pedido liminar em desfavor do PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO - PSB - COMISSÃO EXECUTIVA REGIONAL PROVISÓRIA DO DISTRITO FEDERAL, qualificados na inicial.
Aduz o requerente que é filiado ao referido partido político e exerce o mandato de deputado distrital. Informa que a Comissão Executiva Provisória do PSB promoveu a expulsão do ora autor sem atentar para os princípios constitucionais estabelecidos no art.5º, incisos LIV, LV e LVII.
Por conseguinte, conclui que o processo interno do qual sobreveio a expulsão encontra-se carregado de nulidades, conforme descrito na peça vestibular.
Requer a concessão de medida liminar inaudita altera pars para determinar o sobrestamento do processo administrativo disciplinar, na fase em que se encontra, até que seja proferida decisão final nesta ação.
À fl.333 determinei a emenda à inicial, posteriormente cumprida.
É O RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO.

Cuida-se de ação anulatória com pedido liminar proposta por ROGÉRIO ULYSSES TELLES DE MELO em desfavor de PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO - PSB - COMISSÃO EXECUTIVA REGIONAL PROVISÓRIA DO DISTRITO FEDERAL, qualificados na inicial.

1. Da competência deste Juízo para processar e julgar o feito:
Considerando que a competência em razão da matéria se caracteriza como norma de ordem pública e, nesta qualidade, cognoscível ex officio (CPC, art.301, inciso II e §4º), reconheço a competência deste Juízo para processar e julgar o feito.
Tal análise de competência se faz imperiosa porque figuram como partes um filiado e seu partido político.
A jurisprudência prevalente já fixou entendimento de que serão da competência da Justiça Eleitoral as demandas que envolverem partidos políticos e seus filiados quando puderem - as demandas - interferir no processo eleitoral. Ressalvada esta hipótese, a competência recai sobre a Justiça Comum. "A competência da Justiça Eleitoral limita-se exclusivamente à resolução das demandas relativas ao processo eleitoral, iniciando-se com a inscrição dos eleitores, passando pelo registro dos candidatos, eleição, apuração e findando - salvo o disposto no art.14, §§ 10 e 11, da Carta Magna - com a diplomação definitiva dos candidatos escolhidos." (Superior Tribunal de Justiça, CC 104.883/AL, relator Ministro Castro Meira, DJe de 18.3.2010).
No julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 23.244/RO, relator Min. Moreira Alves, o Supremo Tribunal Federal decidiu:

EMENTA: Mandado de segurança. Conflito entre órgãos do mesmo Partido Político. Incompetência da Justiça Eleitoral. - Em si mesmo conflito entre órgãos do mesmo Partido Político não constitui matéria eleitoral para caracterizar a competência da Justiça especializada, a menos que possa configurar hipótese em que ele tenha ingerência direta no processo eleitoral, o que, no caso, não ocorre, não se configurando tal hipótese, como pretende o parecer da Procuradoria-Geral da República, pela simples circunstância de a dissolução do diretório partidário estadual, que, se existente, participa da escolha dos candidatos aos mandatos regionais, se ter verificado em ano eleitoral. Recurso ordinário a que se nega provimento. - Destaquei.

Na mesma linha de entendimento, confira-se o decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no Conflito de Competência nº 30.324/CE, relator Ministro Francisco Falcão. Sua Excelência registrou que "as questões internas (interna corporis) dos partidos políticos, seja entre estes e seus filiados, seja entre órgão da própria agremiação partidária, deverão ser dirimidas pela Justiça Comum, só se caracterizando a competência da Justiça Eleitoral após o início do procedimento eleitoral, o que, in casu, não ocorreu." (Negrito no original).
A ação versa sobre a legalidade - aqui compreendida em sentido lato - do procedimento de expulsão do requerente das fileiras partidárias e, portanto, correto é o processamento do feito na Justiça Comum.

2. Da possibilidade jurídica do pedido:
Antes da deliberação sobre o pedido liminar propriamente dito, convém registrar a possibilidade de apreciação, pelo Poder Judiciário, de questões internas inerentes aos partidos políticos sem que isso, contudo, venha a contrariar o Princípio da Autonomia Partidária, previsto no art. 17, §1º da Constituição Federal.
Duas são as razões.
Primeiro, em razão do Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, insculpido no art.5º, inciso XXXV da Constituição Federal; segundo, porque todos - inclusive os partidos políticos - se sujeitam ao regime jurídico-democrático vigente, não sendo admitido qualquer privilégio no sentido de imunizar determinadas instituições ou grupos dos comandos advindos da Constituição Federal e das leis.
A propósito, trago à colação o consignado pelo eminente Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, por ocasião da ADI 1.407/DF:

"O princípio da autonomia partidária não é oponível ao Estado, que dispõe de poder constitucional para, em sede legislativa, estabelecer a regulação normativa concernente ao processo eleitoral. O postulado da autonomia partidária não pode ser invocado para excluir os Partidos Políticos - como se estes fossem entidades infensas e imunes à ação legislativa do Estado - da situação de necessária observância das regras legais que disciplinam o processo eleitoral em todas as suas fases."

Feitas estas importantes considerações, aprecio o pedido acautelatório.

3. Do pedido liminar:
A concessão do pedido liminar impõe o preenchimento de dois requisitos: o fumus boni iuris - ou plausibilidade do direito - e o periculum in mora, consubstanciado no perigo de demora decorrente da ausência de provimento jurisdicional que assegure o direito principal (tutela).
No caso sob exame, tenho que a medida liminar não merece acolhida.
Alega o requerente um rol de nulidades, a saber: inépcia da representação por falta de capitulação de infrações, negativa de acesso aos autos do procedimento disciplinar antes e durante o julgamento, vício na apreciação dos embargos de declaração pelo Relator, incompetência absoluta da comissão executiva provisória para promover a expulsão, tribunal de exceção, produção de provas sem a participação do autor e falta de assinaturas dos membros do Conselho de Ética no relatório nº 01/2009 - CEFPO/DF.

3.1. Da documentação acostada:
Neste estágio processual embrionário, o deferimento de medidas acautelatórias depende de prova robusta e convincente, o que não ocorre.
Verifico que o autor juntou, basicamente, os seguintes documentos: despacho de indeferimento de fl.28; cópias do inquérito nº 650/DF, do STJ, cujo objeto é a apuração dos eventuais crimes praticados por autoridades do Distrito Federal, inclusive o autor; notas taquigráficas da Comissão de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Legislativa do Distrito Federal; Ata da instalação do Conselho de Ética do PSB; petições diversas formuladas ao PSB pelo requerente e; ata da reunião da Comissão Executiva Provisória. O Estatuto e o Código de Ética do PSB vieram por determinação do Juízo (fl.333).
Efetivamente, o documento de fl.28 atesta um indeferimento de vista dos autos pelo Sr. Presidente do PSB do Distrito Federal. Todavia, consta a justificativa de que o autor tivera acesso aos autos antes da apresentação de sua defesa. Quanto ao indeferimento do pedido de vista antecipada do relatório, nada a reprovar, porque o momento oportuno para a divulgação do conteúdo dessa peça é na reunião partidária destinada a esse fim.
Os documentos relativos ao inquérito nº 650/DF, do STJ, demonstram as diligências adotadas por ordem do Excelentíssimo Ministro Relator, depoimentos, mandados de busca e apreensão etc. De fato, em nada influenciam nesta demanda, porquanto aqui não se apura responsabilidades penais, mas tão somente eventual ilegalidade na condução do procedimento disciplinar no âmbito do PSB local.
As notas taquigráficas da Comissão de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Legislativa do Distrito Federal, igualmente, em nada contribuem para corroborar com as supostas nulidades declinadas na inicial. Apenas informam que naquela oportunidade não havia elementos para a abertura de processo na Comissão de Ética daquela Casa Legislativa em desfavor do Exmo. Sr. Deputado Distrital Rogério Ulysses. Portanto, as notas taquigráficas em nada se relacionam com o processo disciplinar.
A instalação do Conselho de Ética do PSB se destinou à apuração dos gravíssimos fatos que noticiaram o envolvimento do autor em um robusto esquema de corrupção na administração pública do Distrito Federal. Mesmo que o Conselho de Ética antes não existisse, nada impedia que fosse instalado. Afinal, o Conselho de Ética se propõe a atuar quando o filiado rompe com os princípios e deveres éticos (Código de Ética do PSB, art.8º). Não vislumbro um "tribunal de exceção", mas um conselho cuja legitimidade encontra abrigo nas normas internas do partido.
As petições diversas formuladas pelo requerente aos órgãos partidários contêm as mesmas razões explicitadas na peça de ingresso e não servem de base para deferimento de liminar.
A ata da reunião da Comissão Executiva Provisória (fls.156/173) reflete os fatos acontecidos por ocasião da expulsão do autor. Verifico que o Relator do processo disciplinar fundamentou, à exaustão, as razões pelas quais o levaram a concluir pela penalidade mais gravosa (expulsão). Abordou o inquérito nº 650/DF, do STJ, conhecido pela sociedade como "Operação Caixa de Pandora", e o envolvimento do autor com os graves fatos noticiados na investigação (fls.164/165). Enfrentou as razões da defesa do requerente (fls.166/168).
É digna de registro a afirmação (fl.167) de que o autor já fora penalizado com advertência por contrariar a orientação partidária e votar a favor do PDOT, segundo o interesse do então Governo Arruda. Em outra oportunidade, contrariou novamente a orientação partidária e retirou sua assinatura no requerimento para a criação da CPI do BRB (Operação Aquarela). Promoveu o arquivamento da chamada "CPI dos Cemitérios", da qual era presidente, dentre outras condutas consideradas como indisciplina partidária. E por fim, os tristes fatos da "Operação Caixa de Pandora".
Consta às fls.172/173 (ata da reunião da Comissão Executiva Provisória):

"Ao fim da leitura do relatório o presidente concedeu ao Deputado Rogério Ulysses a palavra para sua defesa oral e o mesmo optou em dividir o tempo com seu advogado que também apresentou sua defesa por escrito em que defende no documento, que na época da notificação não havia processo montado contra seu cliente (...)"
Ou seja, o autor teve a oportunidade de apresentar a sua defesa na dita sessão de julgamento.
O relatório foi aprovado por seis votos - votação unânime - a favor da expulsão do requerente e não cabe ao Juízo entrar no mérito da convicção íntima dos membros da Comissão Executiva.
Estes são os fatos demonstrados pela documentação, insuficientes para sustentar o pedido liminar. Consequentemente, o autor não se desincumbiu de demonstrar junto com a inicial: inépcia da representação por falta de capitulação de infrações, negativa de acesso aos autos do procedimento disciplinar antes e durante o julgamento, tribunal de exceção, produção de provas sem a participação do autor.
Aprecio os outros fundamentos, a saber: vício na apreciação dos embargos de declaração pelo Relator, incompetência absoluta da comissão executiva provisória para promover a expulsão, e falta de assinaturas dos membros do Conselho de Ética no relatório nº 01/2009 - CEFPO/DF.

3.2 Das demais nulidades suscitadas:
3.2.1. Vício na apreciação dos embargos de declaração pelo Relator:
Ainda que se considere um equívoco do Relator ao admitir e negar provimento monocrático aos embargos - o que se admite por hipótese, entendo que este detalhe não compromete a decisão do Conselho de Ética que decidiu pela expulsão.
Como afirmei, a decisão do Conselho de Ética está fundamentada sobre fatos concretos e graves, objeto da crise político-institucional do DF na qual está inserto o requerente. O autor interpôs recurso administrativo que, segundo consta, aguarda julgamento. A questão dos embargos foi ventilada na peça de recurso e, portanto, admite-se a possibilidade de levar o julgamento dos embargos ao crivo da Comissão.
É cediço que os embargos se prestam a esclarecer ponto omisso, obscuro ou contraditório sem, contudo, possuir o condão de atacar o mérito da decisão hostilizada, que se mantém incólume. Por conseguinte, o alardeado cerceamento de defesa não poderia merecer apreciação na via estreita dos aclaratórios, mas sim no recurso administrativo já interposto.
Concluo, desta forma, que o possível equívoco do Relator não macula a decisão da Comissão, assim como não se justifica como fundamento para a concessão da liminar.

3.2.2 Incompetência absoluta da comissão executiva provisória para promover a expulsão:
Vejamos o que estabelecem os artigos 20, letra "f" e 27, letra "g" do Estatuto do partido:
Art.20: O diretório, nos níveis distrital, zonal, municipal, estadual e nacional, é o órgão decisório intermediário do PSB nos intervalos entre os congressos, competindo-lhe, no âmbito de sua jurisdição:
(...)
f) manter a disciplina partidária, aplicando as penalidades estatutárias, ouvido o respectivo conselho de ética e fidelidade partidária;

Art.27: A comissão executiva, órgão de comando do partido, põe em execução as deliberações partidárias, controla e organiza o PSB nos níveis distrital, zonal, municipal, estadual e nacional, competindo-lhe no âmbito de sua jurisdição:
(...)
g) aplicar as penas previstas nas alíneas "a" e "b" do artigo 9º deste estatuto, ouvido o conselho de ética e fidelidade partidária, assegurado o direito de recurso ao diretório respectivo;

As penas previstas nas alíneas "a" e "b" do artigo 9º do Estatuto são advertência escrita interna e suspensão do direito de voto nas reuniões internas. Não há dúvidas de que a pena de expulsão é da alçada do diretório, seja distrital, zonal, municipal, estadual e nacional.
Argumenta o requerente que o PSB não possui diretório no Distrito Federal e, portanto, a decisão acerca da expulsão seria da competência do Diretório Nacional, nunca da Comissão Executiva Provisória.
Discordo.
Dispõe o art.10 do Código de Ética do PSB:
Art.10: Compete aos Diretórios onde o partido for organizado de forma definitiva, e às Comissões Executivas Provisórias, a implantação de seus respectivos Conselhos de Ética e Fidelidade Partidária, até 30 (trinta) dias após a aprovação e publicação no Diário Oficial da União, pelo Diretório Nacional.

De acordo com tal dispositivo, entendo que na falta de Diretório, compete à Comissão Executiva Provisória as atribuições

do próprio Diretório. Assim, formado o Conselho de Ética, este decide e, se for o caso, encaminha a decisão para a Comissão Executiva Provisória.
Dispõe ainda o art.22 do Código de Ética do PSB:
Art.22: Concluída a instrução, o Conselho de Ética remeterá os autos do processo, com o relatório e parecer conclusivo, ao Presidente da Comissão Executiva, que designará local, dia e hora para o julgamento, mandando notificar, por escrito, o denunciado.

A ata da reunião da Comissão Executiva Provisória (fls.156/173) seguiu o trâmite procedimental e, por tal razão, não vislumbro nulidade.

3.2.3 Falta de assinaturas dos membros do Conselho de Ética no relatório nº 01/2009 - CEFPO/DF:
O referido relatório está inserto na ata da reunião da Comissão Executiva Provisória (fls.156/173). Não localizei nos autos uma peça autônoma denominada de relatório nº 01/2009 - CEFPO/DF.
Na ata juntada pelo requerente não consta nenhuma assinatura e se trata de reprografia. Convém destacar que o autor não alega que o documento seja ideologicamente falso, reclama apenas da falta de assinaturas. A questão será melhor analisada com a vinda dos originais e após o contraditório.
Evidentemente que o processo encontra-se na fase inicial e há a possibilidade de ampla dilação probatória, na qual poderão se confirmar, ou não, as razões do autor.

3.3 Do periculum in mora:
Ainda que existisse nulidade no procedimento disciplinar, encontra-se ausente o requisito do periculum in mora.
Fundamenta o autor em dois pontos a sua justificativa para o "perigo da demora" (fl.24):
1º: Os efeitos negativos na opinião pública;
2º: A falta de garantia de que o Diretório Nacional fará retornar o feito ao órgão regional do PSB no DF.

Tenho plena convicção de que a expulsão do autor dos quadros do PSB não alcançou a mesma repercussão do que as notícias do seu envolvimento no esquema de corrupção instalado no Distrito Federal. Certamente não será o indeferimento da liminar que mudará "os efeitos negativos da opinião pública."
DŽoutro bordo, ninguém, nem mesmo o Poder Judiciário, pode garantir que o Diretório Nacional fará retornar o feito ao órgão regional do PSB no DF. O Poder Judiciário não decide pelo Diretório. A autonomia partidária constitucionalmente assegurada impede que o Estado interfira nas questões internas do partido e nos critérios políticos de suas decisões. A intervenção do Poder Judiciário se restringe ao controle de legalidade e à observância dos preceitos constitucionais.
A parte autora ingressou com uma ação para anular o procedimento disciplinar que culminou na sua exclusão dos quadros do PSB. Encerrada a instrução, será prolatada uma sentença acerca da legalidade, ou ilegalidade, do procedimento. Portanto, o Poder Judiciário não depende do Diretório Nacional para formar convicção e proferir a sua decisão. Melhor explicando, torna-se irrelevante a eventual decisão do Diretório Nacional desfavorável ao autor se o Juízo reconhecer a procedência do pedido formulado nesta ação.
Daí não existir conexão lógica entre a eventual decisão do Diretório Nacional e a urgência alegada.
Por fim, a filiação partidária é condição de elegibilidade, mas não é condição de exercício do mandato eletivo.

Ante o exposto, INDEFIRO a liminar.
Cite-se.
Intimem-se.
Brasília/DF, 6 de maio de 2010.

EDSON LIMA COSTA
Juiz de Direito Substituto

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