A disparidade entre o ensino da rede pública e da rede privada continua gritante
Grandes portas de ferro separam as salas lotadas do corredor escuro. Os banheiros com urina espalhada pelo chão estão interditados porque as privadas entupiram e há dias esperam conserto. Os 12 computadores da sala de informática ninguém usa – falta o principal: acesso à internet. Essa não é a escola onde aqueles 1.800 alunos queriam estudar. “Vai contra os anseios do jovem isso aqui. Fica quase inviável desenvolver um trabalho de qualidade”, reconhece com um olhar cansado a diretora do Centro de Ensino Médio 01 da Candangolândia, Irisneide Moura, 57 anos.
Apesar dessa realidade, pelo menos nas estatísticas o ensino de 1º a 3º ano no Distrito Federal vai bem. O ranking nacional feito com base no Indicador de Desenvolvimento da Educação Básica, o Ideb, e divulgado no último sábado pelo Ministério da Educação, mostra que o DF pulou quatro posições e assumiu a liderança, empatado com Santa Catarina e Paraná. Em comparação ao resultado de 2005, aumentou 0,4 pontos e atingiu o índice 4,0. O Pará, último colocado, ficou com 2,7.
A melhora no desempenho passou longe da escola da Candangolândia. Lá, pelo contrário, as coisas só pioram. São pelo menos cinco atestados médicos apresentados todos os dias por professores deprimidos e inseguros. A diretora cansou de ver funcionários acuados no canto das salas, sendo desrespeitados por alunos. “Não existe mais confiança. Os professores não sabem mais o que vão encontrar aqui. Eles chegam para mim e dizem: "Se eu pudesse, ia para casa e não voltava mais”, relata Irisneide Moura, há 13 anos no cargo.
A disparidade entre o ensino da rede pública e da rede privada continua gritante. Enquanto as escolas particulares marcaram 5,6 pontos, as que vivem de verbas públicas atingiram a média de 3,2. “Não dá para competir. Até comecei a fazer o PAS (o Programa de Avaliação Seriada da Universidade de Brasília), mas desisti quando vi que não ia passar”, conta Giselly Carrijo, 18 anos, aluna do 3º ano do Centro de Ensino Médio 01 do Núcleo Bandeirante.
Há duas semanas, um estudante do 1º ano da escola de Giselly foi esfaqueado próximo ao portão de entrada. No dia em que a reportagem do Correio esteve no colégio, uma aluna foi parar na direção porque fumava maconha no pátio. Os colegas dela disseram que o consumo e o tráfico ali são coisas comuns. “É melhor mexer com rebanho de gado do que mexer com esses meninos”, compara de maneira grotesca o vigilante. “A escola é festa. Eles não têm objetivo, não conseguem entender que por meio do estudo podem conseguir coisa melhor na vida”, diz o professor de Física Marlon Massaro, 31 anos.
Os laboratórios de química, física e biologia da escola estão trancados por falta de professor. Quase todo dia as turmas são liberadas mais cedo. Quando tem aula, a garotada reclama que não consegue entender nada. “Aqui, eles ensinam só o básico. Você fala que não entendeu, ninguém explica de novo e fica por isso mesmo”, conta Rosely do Nascimento, que sonha em fazer um curso na UnB na área de Saúde, mas nem se inscreveu no PAS porque, explica ela, não queria se sentir mal quando visse o resultado.
Na sala de 1º ano, a chiadeira é a mesma. “A professora pede pra gente ler e só. Se estudar fosse apenas isso, não precisava nem vir para a escola”, comenta Juliana Pinheiro, 15 anos. “Não sei que milagre foi que passei direto ano passado”, confessa Douglas Soares, 17 anos, aluno do 2º ano, que pela manhã faz curso de informática no Senac. “Quero começar a trabalhar logo pra ganhar dinheiro”, completa o jovem, que mora no Riacho Fundo.
Em 2007, o índice de reprovação no Centro de Ensino Médio 01 do Núcleo Bandeirante foi de 22,7%; o de abandono, 4,1%. Ciente da realidade da escola em que leciona há cinco anos, o professor de inglês Nilson Brito, 50 anos, resolveu fazer alguma coisa para melhorar as aulas. Tirou R$ 4 mil do próprio bolso e comprou um aparelho data-show para exibir vídeos aos alunos. “Não espero retorno, mas me sinto no dever de ajudar esses meninos a chegarem a algum lugar”, discursa o professor.
A diretora da escola, Mônia Lemes, diz que atitudes como a de Nilson são raras. Por mês, ela recebe 40 atestados médicos de educadores doentes e desestimulados. “É por causa dessas coisas de ficar insistindo para aluno estudar, carga horária pesada, salas de aula cheias”, enumera Mônia, 44 anos. No armário da direção, ainda estão guardadas duas garrafas de vodca barata que foram encontradas em mochilas de alunos. “A gente pega estudante bêbado às sete horas da manhã. Esses dias, você tinha que ver, tinha uma aluna que não conseguia nem ficar em pé”, conta a diretora. O que fazer para tentar mudar tudo isso e garantir uma educação de qualidade para esses jovens? “Boa pergunta”, responde a diretora, depois de um longo silêncio.
Diego Amorim - Correio Braziliense - 23/6/2008