sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

João Goulart foi vigiado até pela empregada no exílio

Documentos inéditos indicam que serviço secreto uruguaio monitorava Jango dentro de sua própria casa. Papéis mostram também que, um mês antes de morrer, ex-presidente brasileiro renunciou ao asilo político

Rodrigo Rangel - Revista Época

Documentos do Ministério do Interior e do Ministério da Defesa do Uruguai revelam que o serviço secreto do país vigiava cada passo do ex-presidente brasileiro João Goulart no exílio. Num deles, há referências a informações repassadas por uma suposta empregada da casa de Jango no Uruguai, identificada como Margarita Suarez.

Margarita, cujo nome aparece entre aspas no documento, teria dado informações acerca de uma viagem de Jango a Paris, para suposto tratamento médico. “Segundo manifestação da doméstica de Marques Goulart, 'Margarita Suarez', o mesmo viajou em seu avião particular até Buenos Aires no dia 2 de outubro, e que prosseguiria a viagem em uma companhia internacional até Paris”, diz o texto, datilografado.



Os documentos registram, também, os negócios de Jango em território uruguaio – o ex-presidente possuía fazendas e frigoríficos no país – e fazem referência a um golpe financeiro milionário sofrido por ele. O ex-presidente teria tido prejuízo de mais de US$ 20 milhões, em valores da época, com o roubo de um volume considerável de ações ao portador que guardava no exílio.

Outro ofício, encaminhado pelo próprio Jango ao Ministério das Relações Exteriores do Uruguai, traz uma informação até hoje inédita: um mês antes de morrer, o ex-presidente brasileiro renunciou à condição de asilado político no Uruguai. No documento, Jango escreve que renunciava ao asilo para tentar obter, em seguida, o status de residente no Uruguai. O ofício data de 9 de novembro de 1976. Jango morreria no dia 6 de dezembro do mesmo ano. Pela versão oficial, teria sofrido um ataque cardíaco.

Na mesma época em que Jango renunciou ao asilo, outros brasileiros exilados no Uruguai fizeram o mesmo. Entre eles, o atual ministro da Justiça, Tarso Genro. O ex-presidente buscara asilo no Uruguai após ser deposto pelo golpe militar de 1964.

A data do documento em que Jango renuncia ao asilo coincide com um período em que, no Brasil, circulavam especulações de que ele poderia voltar ao país. O momento era propício. Nos Estados Unidos, Jimmy Carter tinha acabado de ser eleito e assumir um discurso a favor dos direitos humanos no Cone Sul, então dominado por ditaduras. Lideranças de vários países da região que estavam exiladas já planejavam retornar aos seus países de origem, o que passou a ser visto como uma ameaça pelos governos militares.

A exemplo de Jango, algumas dessas lideranças morreram antes de voltar. É o caso do socialista Juan José Torres Gonzáles, que havia sido presidente da Bolívia. Ele foi morto em junho de 1976, em Buenos Aires. Outros importantes dissidentes dos regimes militares morreram no mesmo ano, como os parlamentares uruguaios Zelmar Micheline e Héctor Gutierrez Ruiz e o ex-embaixador chileno Orlando Letelier. Alguns analistas defendem a tese de que a onda de mortes de políticos opositores teria sido coordenada pelos serviços secretos dos governos militares como forma de evitar que eles retornassem aos seus países e passassem a ser uma ameaça às ditaduras de plantão.

O papéis foram obtidos junto ao governo uruguaio pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Brasil. Para o presidente da entidade, o advogado Jair Krischke, o material mostra o esforço dos serviços secretos do Cone Sul, à época sob o comando de governos militares, para vigiar políticos inimigos e reforça as suspeitas de que Jango possa ter sido assassinado. “É estranha a coincidência. Com o fim do asilo, a ditadura uruguaia estava livre de qualquer cobrança futura de responsabilidades sobre a segurança de Jango”, afirma Krischke, ele próprio um ex-perseguido da ditadura.

Para Krischke, um dos dados mais relevantes dos documentos está na suposta cooperação da empregada de Jango com os agentes secretos uruguaios. “Em todos os documentos, o nome dela é o único nome que aparece entre aspas, o que indica que na verdade poderia se tratar de um codinome”, diz. Segundo ele, familiares de Jango confirmam que o ex-presidente tinha realmente uma empregada chamada Margarita.

Todo o material será entregue nesta sexta-feira ao Ministério Público Federal. Procuradores do órgão no Rio Grande do Sul conduzem uma investigação destinada a apurar a suspeita de que Jango possa ter sido morto pela chamada Operação Condor, como ficou conhecida a articulação entre serviços secretos dos países sul-americanos durante os anos de chumbo.

Um ex-agente de inteligência do governo uruguaio preso no Rio Grande do Sul afirma que Jango foi envenenado. Mario Barreiro, que cumpre pena no Brasil por tráfico de armas e roubo, diz ter participado da suposta operação que teria culminado na morte do ex-presidente brasileiro.

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