terça-feira, 1 de abril de 2008

Blog da JSB DF entrevista Cleo Manhas, doutoranda em educação pela PUC/SP

1 Como você vê a questão de cotas para negros e deficientes nas faculdades Públicas?

Bom mesmo seria que não precisássemos das cotas, mas nossa realidade apresenta-nos outro quadro. O processo de colonização do Brasil trouxe-nos com os portugueses, os africanos, tirados à força de sua terra, para serem escravos em terras até então desconhecidas para eles, afastados de sua cultura e de seu povo. Quando finalmente deram um basta nesta barbárie, vieram os imigrantes europeus para realizarem o trabalho assalariado, jogando os negros na marginalidade. Agora “livres”, mas sem casa e sem trabalho.

Acredito que só existe liberdade quando temos acesso aos direitos básicos de saúde, moradia, educação, transporte público de qualidade etc. Os negros, em sua maioria, até os dias de hoje, não possuem esta liberdade. E não adianta repetirmos o argumento daqueles contrários às cotas, que o importante é melhorar a educação fundamental e média, para que eles possam chegar à Universidade. É obvio que concordamos com necessidade de isso acontecer, porém, isso é política de médio prazo e nossa dívida está rendendo juros, por isso, precisamos de medidas imediatas, temporárias, pois o horizonte é a qualidade da educação pública, mas para já.
Com relação a cotas para pessoas portadoras de deficiência precisamos analisar os caso e verificar aqueles aos quais cabem as cotas.

2 Como poderia se dar o processo de inclusão dos deficientes nas faculdades públicas?

Falar em pessoas portadoras de deficiência não é tarefa fácil, pois existem vários tipos de deficiência e atitudes inclusivas distintas, mas acredito que o primeiro passo com relação à inclusão nas universidades públicas seria as adaptações, pois a invisibilidade dessas pessoas para as políticas públicas manifesta-se em primeiro lugar nesta adaptação. É difícil encontrarmos rampas e elevadores de acesso, banheiros adaptados, livros em braile, tecnologia para deficientes auditivos etc. Começar a adaptar as universidades públicas para os vários tipos de deficiência já seria um bom caminho andado para alterarmos o quadro de impedimentos que existe hoje.

Hoje em dia é notório o maior número de estudantes de classe média nas faculdades públicas. O que deveria ser feito para que possamos mudar essa realidade?
Em primeiro lugar gostaria de dizer que isso só é notório nos cursos elitizados como direito, medicina, relações internacionais, economia etc. Nos cursos de licenciatura e a maior parte dos cursos de humanas o público mais volumoso é oriundo da escola pública. Ao invés de ficarmos nessa briga se a universidade pública é de rico ou de pobre, deveríamos nos perguntar por que há cursos de ricos e cursos de pobre. E entre os cursos de pobre estarem quase todas as licenciaturas, ou seja, os futuros profissionais da educação. Além disso vocês deveriam pensar em discutir algo proibido aos estudantes, criar formas de taxar o estudante de renda alta e reverter os custos em benefício dos de baixa renda. Ou criar uma espécie de serviço civil profissional, onde formandos tivessem de trabalhar por um tempo em cidades do interior onde houvesse carência de profissionais, especialmente, na área da saúde, como bônus por ter estudado na universidade pública.

3 Qual a sua opinião sobre o Prouni?

Acredito que o Prouni é uma política pública muito bem pensada para resolver o déficit de vagas nas universidades. Déficit esse que atinge especialmente a população de baixa renda. Como não é possível criar tantas vagas em tão pouco tempo nas universidades públicas, o PROuni é legítimo e já apresenta bons resultados.

4 Qual seria o papel da universidade, da sociedade em geral e dos nossos governantes em particular para gerar inclusão dos pobres e dos deficientes?

Já falei um pouco sobre isso anteriormente e reafirmo o que já disse, acrescentando que as responsabilidades devem ser compartilhadas e a inclusão deve acontecer desde o ensino fundamental. As escolas públicas já trabalham com essa perspectiva, algumas bem aparelhadas, outras engatinhando, mas estão no caminho. As escolas particulares deveriam estar trabalhando com esse universo também. Para além da educação, a população deve enxergar o outro, o deficiente, respeitá-lo em suas especificidades e diferenças e cobrar do poder público que transforme nossas cidades em cidades acolhedoras e educadoras.

5 Em sua opinião, nosso país está melhor ou pior na área de educação em relação a anos anteriores?

Nos últimos tempos houve uma série de medidas que visam melhorar a qualidade do ensino no médio prazo, como o fato de realizarmos políticas integradas, tal qual está proposto no Plano de Desenvolvimento da Educação. Além da criação de vagas nas universidades públicas e a construção de novas universidades. A criação de programas como o Prouni, que ampliou o acesso, além da nova forma de avaliação da educação em seus vários níveis, permitindo que estejamos constantemente, aferindo os resultados para melhorá-los, além de um olhar para o ensino profissionalizante, ampliando o acesso. Mas é preciso dizer que ainda há muito o que fazer e a sociedade deve gritar para que as coisas aconteçam.

6 A questão das cotas resolve o problema da exclusão ou é uma medida paliativa?

As cotas são uma das medidas para resolver o problema da exclusão. Nosso problema é crônico e muito antigo, ele precisa de mudanças estruturais, culturais e uma frente ampla que una sociedade, governos para que possamos resolver definitivamente esta questão. Porém, mesmo sendo apenas uma das medidas, ela é necessária e importante.

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